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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Entrevista com Gonzalo Gómez Freire, um galego à frente do portal revolucionário venezuelano Aporrea


(primeiralinha.org)


Coincidindo com a sua presença na Galiza, tivemos a sorte de conhecer o co-fundador e membro da equipa de publicaçom do portal bolivariano Aporrea, principal expoente comunicativo do movimento popular venezuelano. Gonzalo Gómez Freire, filho de galegos emigrados ao grande país sul-americano, surpreendeu-nos com o seu correcto uso oral do galego, idioma em que se desenvolveu esta extensa conversa com Maurício Castro.



Nela, o companheiro Gonzalo falou-nos das suas origens galegas, da realidade actual do processo revolucionário venezuelano e, em especial, do ámbito da comunicaçom como peça desse processo que, para ele, deve conduzir para a definitiva ruptura com o capitalismo.


Reproduzimos integralmente o conteúdo da entrevista, achando que toda ela será de grande interesse para os nossos leitores e leitoras.




Qual é o teu cargo e qual a tua funçom no portal Aporrea?



Eu fum um dos fundadores de Aporrea, a 14 de Maio do ano 2002, depois de ser superado o golpe de estado. Fago parte da equipa publicadora deste espaço de articulaçom do movimento popular que foi criado para enfrentar o golpe que se via vir.




O projecto é entom anterior ao golpe de estado...



Sim, aparece como organismo de expressom de um conjunto de organizaçons populares que se mobilizárom para enfrentar essa situaçom e que depois do 13 de Abril, quando afortunadamente é derrubado o breve governo de facto de Carmona e se recupera o poder para o presidente Chávez, demo-nos à tarefa de promover a realizaçom de um encontro nacional de organizaçons populares do país, em Setembro de 2002, e Aporrea foi o portal de publicaçom dos textos do encontro, umha espécie de Congresso, de debate e discussom em torno das experiências e perspectivas da Revoluçom Bolivariana.




De carácter nacional ou local?



Fundamentalmente, das organizaçons populares de Caracas. Depois, Aporrea despreende-se da sua origem, pois a Assembleia Popular Revolucionária era um organismo temporário, para enfrentar umha situaçom. De facto, também noutras ocasions voltárom a formar-se articulaçons populares, por exemplo, aquando da paralisaçom e sabotagem petroleira, nos anos 2002 e 2003.


As frentes de resposta som, portanto, pontuais, mas a página web Aporrea mantivo-se, convertendo-se numha espécie de agência de notícias e espaço alternativo que começou a ser utilizada polas pessoas ligadas ao processo revolucionário. Aí aderírom pessoas de muitos lugares do país e também de fora. O fundador, comigo, de Aporrea, foi Martín Sánchez, engenheiro informático que estava fora do país e que quijo contribuir fazendo um site de denúncia contra o golpe de estado e ajudar a organizar a resistência. Mas nom deu tempo, porque o povo se mobilizou com muita mais rapidez do que nós.




Que exista um galego à frente de umha iniciativa popular venezuelana como esta é puro acaso, ou responde à presença significativa de compatriotas nossos nesse país e a um compromisso colectivo com a Revoluçom em curso?



Eu nom podo explicar Aporrea pola minha relaçom com a Galiza, mas sim podo falar de umha relaçom da Galiza com o meu processo de formaçom, que me leva a poder estar em iniciativas como esta. De algum jeito, através das conversas com meu pai, com as pessoas da emigraçom galega que havia em torno dele, como Celso Emílio Ferreiro, nos anos 70, muitos dos quais eram portadores da noçom e da mensagem galeguista influírom na minha formaçom política e fam parte das minhas raízes, para além de eu ser filho de galegos.


Isso está no germe da minha sensibilidade e da formaçom dos meus primeiros conceitos ideológicos, pola via do meu pai e do ambiente dos galegos progressistas colados à ideia da Galiza como povo, como naçom. Acho que isso tivo, sim, umha influência para o caminho que eu tomei posteriormente.





Digo-che isto porque já sabes que no exílio americano o melhor de toda umha geraçom de galegos e de galegas acabou recalando como conseqüência da repressom que se desatou no Estado espanhol durante a ditadura. A Venezuela também acolheu umha parte dessa geraçom, como a Argentina, o Uruguai, o México...



Sim, eu podo lembrar como meu pai falava da Guerra Civil, dos contactos e amizades dele. Lembro umha figura significativa para a Galiza, como foi Pepe Velo, que depois ficaria famoso polo assunto do Santa Maria. Meu pai deixou escritas umhas memórias que, Renascer de esperanças, memórias de Antón Dopazo, publicadas na Internet, na secçom cultural de Aporrea, que se chama Encontrarte. Nelas, conta muita cousa que tem a ver com a emigraçom galega junto às suas experiências. Isso todo é parte do que eu levo dentro de mim, com certeza.




Fala-nos agora um pouco de qual é a situaçom do processo revolucionário, sobretodo depois das últimas eleiçons, em que se reafirmoua vitória do movimento Bolivariano mas, paradoxalmente, a oposiçom burguesa conseguiu algumhas vitórias parciais importantes, como na própria capital. Que leitura fás desses resultados e que perspectivas se abrem para o movimento popular?



Sim, coincido nisso que estás a dizer-me, mas, antes de entrarmos no tema, queria ainda falar-che brevemente de que na Venezuela há galegos que tenhem um grande compromisso com o processo revolucionário bolivariano, e que venhem já desde o início. É o caso de Farruco Sesto Novás, que foi ministro da Cultura e agora está em Vivenda e que, coincidindo com a presença de Celso Emílio na Venezuela, começou a escrever poemas em galego e promoveu actividades culturais. Depois, estivo na fundaçom de organizaçons políticas importantes na Venezuela. Tivemos também, durante algum tempo, umha ministra do Trabalho, Maria Cristina Iglésias, de origem galega, que hoje integra a Direcçom Nacional do PSUV. Portanto, há uns rastos e umha fidelidade às origens.


Sobre a situaçom da Venezuela hoje, podemos dizer que os resultados eleitorais reflectírom umha recuperaçom do voto do chavismo em relaçom à votaçom da reforma constitucional. Podemos falar de mais de 80% de controlo das alcaldias e de quase todas as governaçons, mas houvo uns casos de relevo em que a oposiçom conseguiu introduzir umhas cunhas de significaçom estratégica. É o caso da alcaldia metropolitana, que abrange Caracas, a capital, ainda que haja outros concelhos, como o Município Libertador, que ficou em maos do chavismo, com Jorge Rodríguez. Também o estado Miranda, o de Carabobo (industrial manufactureiro), Tachira, Zúlia (petroleiro)... a oposiçom sai derrotada em conjunto, mas consegue conquistas, que representam um perigo para o processo revolucionário.


Coloca-se um desafio porque conseguírom concentrar o voto das zonas onde está a maior parte da populaçom de classe média e classe média-alta, sectores mais ou menos abastados, e que som muito refractários ao governo; arrastárom umha parte do voto popular, impedindo, por exemplo, que Aristóbulo Istúriz fosse eleito, apesar da vitória bolivariana em áreas populares como Libertador.




Os meios da direita dim que estám a conseguir penetrar com o seu discurso em zonas tradicionais trabalhadoras, mudando o discurso duro anterior e assumindo parte da linguagem chavista. O que há de certo nisso?



Eles tentam aparentar isso, mas os votos da direita nom aumentárom em termos absolutos. Tenhem um tope que nom ultrapassam, mas sim aconteceu que nom todo o povo chavista foi votar com o entusiasmo de, por exemplo, as eleiçons presidenciais de 2006. É mais um fenómeno de abstençom alta no chavismo, de pessoas que nom querem que Chávez perda o governo, que valorizam os benefícios obtidos, mas que também podem ter certo descontentamento ou certo desencanto por cousas que nom estám a ser resolvidas.


É mais isso do que o aumento do voto de direita nas classes populares, que nom aumentou significativamente. O desafio é que o conjunto do povo se manifeste, para o qual é necessário um sinal da dirigência no sentido de assumir que irá polas mudanças de maneira conseqüente. Há que atacar problemas que ainda persistem na Venezuela, que tenhem a ver com o burocratismo, com a corrupçom, com dificuldades na gestom pública... porque as pessoas podem estár a beneficiar-se de melhorias gerais no nível da saúde, da educaçom, de serviços sociais, da queda importante do índice da pobreza e de mortalidade, da subida do índice de desenvolvimento humano, mas se houver problemas, por exemplo, no tratamento dos resíduos urbanos, concentraçom de lixo e outros problemas imediatos podem fazer esquecer outros benefícios que as pessoas estám a afazer-se a ter.


Há ainda respostas de advertência e de castigo para alguns sectores da dirigência bolivariana.





Achas, Gonzalo, que essa leitura que tu fás é partilhada pola dirigência e que haverá umha rectificaçom no sentido positivo?



Toda revoluçom é complexa e contraditória, nada é redondinho e perfeito. Na unidade, há também pugnas que fam parte das expressons da luita de classes, que nom se dá só entre a oposiçom da direita e o movimento bolivariano ou a esquerda em geral. Dentro do processo há sectores com diferentes pontos de vista, diferente origem e composiçom social, diferentes interesses... e isso é normal. É, por outra parte, um prodígio que sectores militares tenham sido permeados por camadas procedentes do povo, dos estratos pobres, e que também ali ficassem as ideias da esquerda anti-imperialista, produzindo-se a insurgência do movimento bolivariano, liderado por Chávez. Isso nom é comum. Se, além disso, quigermos que hasteiem as bandeiras do marxismo e umha concepçom ideológica acabada, socialista e revolucionária, isso é esperar de mais. Tem havido um processo paulatino, com saltos, e que está relacionado com o histórico confronto com a direita e com o imperialismo, que vai levando a tomar posiçom.


Em definitivo, considero que as mudanças vam depender nom tanto da dirigência como de nós, das organizaçons sociais e dos organismos de poder popular que estám a ser desenvolvidos, as organizaçons operárias, camponesas, a juventude... na medida que se produzir mobilizaçom para enfrentar a direita e o imperialismo, a revoluçom vai ir radicalizando-se e poderá avançar-se para definiçons mais precisas.




Pensas que também a nível continental podemos falar nesses termos?



Sim, considero que é um processo próprio e interno da América Latina. O que acontece na Bolívia ou no Equador pode ser alimentado polo que acontece na Venezuela, mas tem as suas próprias raízes. Todo isto combina-se, fortalece-se mutuamente, e a Venezuela é hoje umha referência continental de grande impacto. Os povos estám a avançar, a mobilizar-se e a confrontar os governos mais de direita e conservadores. Há luitas no Peru, na Colômbia, cujo regime assassina constantemente dirigentes sindicais, onde há paramilitarismo, umha espécie de subestaçom do império.


Além da persistência da Revoluçom Cubana, dos processos que se estám a verificar na América Central, na Bolívia, no Equador, outros governos mais moderados, mas que ajudam a estabelecer outra regras e outras correlaçons de forças e ganham espaços de soberania face à dominaçom das transnacionais e a dominaçom do imperialismo... as regras movem-se e a cousa avança na América Latina.


Na crise internacional do capitalismo, vê-se mais clara a alternativa do socialismo, ou polo menos o capitalismo como algo que nom dá para mais. Isto também favorece o avanço do processo revolucionário, entrando assim num quadro em que os povos vam ver-se forçados a mobilizar-se para defender as suas conquistas, em que os espaços de soberania terám que ser demarcados de maneira mais concreta, e com um imperialismo que está em dificuldades. Se nom avançamos para o estabelecimento de governos dos trabalhadores, dos camponeses, das classes populares, anti-imperialistas que coloquem o socialismo como alternativa de sociedade, o que pode vir é a barbárie mais absoluta, mas nessa luita é que estamos...




Na Europa existe um discurso mui forte no sentido de que Hugo Chávez estivesse a hegemonizar a comunicaçom, a calar a boca à oposiçom, mas sabemos que a hegemonia económica continua em maos dos de sempre. Por outra parte, estám a abrir-se espaços comunicativos de base como o que Aporrea representa. Fala-nos da situaçom comunicativa na Venezuela.



Na realidade, a Venezuela é ainda um país capitalista. O Estado é herdeiro da Quarta República e sectores da oligarquia tenhem ainda hoje importantes posiçons lá dentro, controlam mais de 80% dos media, da rádio, da TV, da imprensa. A recuperaçom do sinal de Rádio Caracas TV ao nom ser-lhe renovada a concessom estatal por a terem utilizado para promover a derrocada violenta do governo legítimo nom implicou umha mudança substancial.


Os meios alternativos achamos que é necessária umha reforma da Lei de Telecomunicaçons, pois ainda hoje nom há limites. Nós pensamos que, para começar e por agora, deve entregar-se um terço dos meios nas maos das comunidades, das organizaçon sociais e dos organismos do poder popular.


Hoje nom há quotas e mais de dous terços da comunicaçom estám em maos oligarcas, ficando 15% a repartir entre o Estado e a comunicaçom comunitária, que nom vai além dos 3%.


Isto é bem significativo, pois há mais de 300 meios comunitários alternativos, rádios populares estabelecidas assemblearmente, onde há cabimento para a vizinhança e as suas expressons sociais nos bairros. Essa é umha conquista muito relevante, mas é ainda mui pouco para a perspectiva de umha comunicaçom do socialismo. Temos que conquistar um sistema público em maos das comunidades, dos trabalhadores dos meios de comunicaçom, onde estejam presentes as expressons do povo no seu conjunto, incluídos os indígenas. Isso, mesmo pertencendo ao Estado, deve ficar sob controlo social. Isso pode ser feito na Venezuela e isso é o que propomos, a partir da modificaçom da Lei de Telecomunicaçons, para irmos ganhando influência e redistribuir o espaço radioeléctrico.


Tal como há um latifundismo no campo, há também um latifundismo no espaço radioeléctrico, com os seus próprios latifundiários, açambarcadores de espaços comunicativos para minorias. Há famílias de banqueiros com televisons regionais e nacionais, enquanto as organizaçons de trabalhadores nom tenhem. É umha desigualdade social intolerável, pois a comunicaçom nom pode ser só mercadoria: é um direito humano. Nom deve servir para estabelecer comércio e explorar a publicidade nem infundir a ideologia dos ricos. Deve estar ao serviço de todo o povo.


Na Venezuela de hoje só se tomárom medidas contra meios que promovêrom crimes e massacres, Radio Caracas TV, deixando de ser-lhe renovada umha concessom, simplesmente. Qualquer pessoa pode ver na Venezuela que se permite a oposiçom ameaçar de morte o presidente, cousa inimaginável em qualquer outro país. A liberdade de expressom que existe é extraordinária em relaçom a outros países.




O vosso portal é um dos mais visitados a nível mundial, no ámbito das publicaçons alternativas. Que papel aspirades a cumprir a partir de agora?



Nós, na realidade, nom escolhemos o nosso papel. Fôrom as usuárias e os usuários que o figérom, as cousas fôrom acontecendo e nós fomos administrando o que acontecia, fôrom aparecendo reporteiros que narravam o que acontecia nas manifestaçons, por exemplo, a violência da polícia da oposiçom... isso começou a aparecer no nosso site, e nós administramos essa dinámica do processo revolucionário no terreno dos meios alternativos.


Nom temos umha equipa centralizada que tome decisons sobre a publicaçom. Todo o enquadrado no processo revolucionário é publicado, sob condiçons muito elementares, como o sustento das denúncias, umha linguagem tolerável e a responsabilidade polo que se di.


Trabalhadores, camponeses, indígenas... assumem Aporrea como ferramenta para informar sobre as suas luitas, fazendo informaçom em primeira pessoa, constituindo-se em agência de notícias do próprio movimento. Nós recolhemos isso e publicamo-lo. Na medida que o movimento popular se vaia fortalecendo, irám surgindo outros meios de comunicaçom de cada movimento. Nom queremos ser um ente profissionalizado, mas servir ao movimento como canal de expressom e comunicaçom, nos termos que as pessoas determinarem de maneira democrática.


Há, contodo, críticas revolucionárias e nós damos cabimento ao debate, pois sem debate nom há dinámica. Só nom damos espaço aos sectores ligados à oligarquia, que já tenhem os seus meios. Nós somos independentes do governo e funcionamos de maneira autogerida, sem nos supeditarmos a ninguém.




Agradecemos ao companheiro Gonzalo que nos tenha dedicado estes minutos para dar a conhecer no seio do povo trabalhador galego essa experiência comunicativa alternativa que é Aporrea, e transmitimos-che o orgulho que para nós constitui a presença de um galego, de origem galeguista e progressista, à frente de um projecto como este. Temos certeza que no futuro continuaremos a coincidir na luita comum pola derrota do capitalismo e a vitória do socialismo.



Eu quero mandar umha mensagem para que as organizaçons progressistas e anti-imperialistas podam encontrar em Aporrea um meio de expressom nom só na solidariedade com a luita bolivariana, mas também para darem a conhecer as luitas que existem na Galiza.